As condições quase sempre precárias de vida e a baixa expectativa de futuro despertam na mulher negra e jovem da periferia uma certeza em relação ao futuro: a da não permanência no mesmo lugar, e que foram criadas para “migrar”. “Algumas não sabem sequer para onde vão, mas sabem que vão sair de lá um dia”, conta o psicólogo Carlos Eduardo Mendes. Em pesquisa realizada no Instituto de Psicologia (IP) da USP, ele viveu de perto a realidade de 11 jovens que se autodeclararam negras, todas residentes no bairro do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo.
Mendes acompanhou as jovens em suas atividades cotidianas durante seis meses e, em momentos inesperados, lhes fazia a seguinte questão: “o que é o futuro para você?”. “Não bastaria fazer esse questionamento somente uma vez e em um determinado momento”, justifica o psicólogo. “Certamente, cairíamos em estereótipos”. Em meio às rotinas de trabalho, às atividades religiosas, do cuidar dos filhos e de tantos outros afazeres, a questão era repetida por diversas vezes.
A “certeza” em relação à migração pode ser explicada, segundo o psicólogo, pelo fato de que as jovens envolvidas no estudo representam a terceira geração de filhos de famílias, a maioria nordestinas, que vieram para o bairro. “Assim como nas gerações anteriores, elas sabem que não permanecerão no Capão. Trazem isso como um exemplo, um destino já traçado”, afirma.
A dissertação de mestrado Os sentidos de futuro para jovens negras: pelos caminhos do Capão Redondo e Jardim Ângela periferia paulistana, orientada pelo professor Luís Guilherme Galeão Silva, do IP, traça um perfil das jovens negras que tinham, à época, idade média entre 18 e 26 anos. Além do fato de saberem antecipadamente que os seus destinos seriam “migrar”, elas se preocupavam em relação ao futuro com questões afetivas, moradia e aspectos culturais. “Ou seja, criar algum tipo de família, mesmo que não seja a convencional”, descreve Mendes, lembrando que, num primeiro momento dos questionamentos, “todas diziam simplesmente ‘não ter futuro’”.
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Últimas da fila
O que levou Mendes a empreender o estudo foi sua própria experiência como morador do bairro. “Lembro quando minha mãe saía para o trabalho e eu tinha a missão de cuidar de minhas irmãs. Numa observação mais atenta comecei a perceber que o futuro delas estaria mais ou menos traçado, que era o de ter uma família, cuidar de filhos e de um lar”, conta. Segundo ele, a maioria das atividades do bairro, gerenciadas principalmente por ONGs, tende a educar as meninas aos trabalhos manuais e atividades domésticas. “Para os garotos, restam as atividades ligadas ao mundo masculino, desde que não sejam vítimas precoces da violência”, lamenta o psicólogo que ainda reside no Capão Redondo e participa de atividades sociais locais.
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