sábado, 28 de janeiro de 2017

No Jornal da USP - Jovens negras da periferia mostram suas expectativas sobre o futuro



As condições quase sempre precárias de vida e a baixa expectativa de futuro despertam na mulher negra e jovem da periferia uma certeza em relação ao futuro: a da não permanência no mesmo lugar, e que foram criadas para “migrar”. “Algumas não sabem sequer para onde vão, mas sabem que vão sair de lá um dia”, conta o psicólogo Carlos Eduardo Mendes. Em pesquisa realizada no Instituto de Psicologia (IP) da USP, ele viveu de perto a realidade de 11 jovens que se autodeclararam negras, todas residentes no bairro do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo.

Foto: TV USP
Apesar das dificuldades, jovens demonstram o “orgulho de ser negra” – Foto: TV USP

Mendes acompanhou as jovens em suas atividades cotidianas durante seis meses e, em momentos inesperados, lhes fazia a seguinte questão: “o que é o futuro para você?”. “Não bastaria fazer esse questionamento somente uma vez e em um determinado momento”, justifica o psicólogo. “Certamente, cairíamos em estereótipos”. Em meio às rotinas de trabalho, às atividades religiosas, do cuidar dos filhos e de tantos outros afazeres, a questão era repetida por diversas vezes.
A “certeza” em relação à migração pode ser explicada, segundo o psicólogo, pelo fato de que as jovens envolvidas no estudo representam a terceira geração de filhos de famílias, a maioria nordestinas, que vieram para o bairro. “Assim como nas gerações anteriores, elas sabem que não permanecerão no Capão. Trazem isso como um exemplo, um destino já traçado”, afirma.
A dissertação de mestrado Os sentidos de futuro para jovens negras: pelos caminhos do Capão Redondo e Jardim Ângela periferia paulistana, orientada pelo professor Luís Guilherme Galeão Silva, do IP, traça um perfil das jovens negras que tinham, à época, idade média entre 18 e 26 anos. Além do fato de saberem antecipadamente que os seus destinos seriam “migrar”, elas se preocupavam em relação ao futuro com questões afetivas, moradia e aspectos culturais. “Ou seja, criar algum tipo de família, mesmo que não seja a convencional”, descreve Mendes, lembrando que, num primeiro momento dos questionamentos, “todas diziam simplesmente ‘não ter futuro’”.
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Últimas da fila

O que levou Mendes a empreender o estudo foi sua própria experiência como morador do bairro. “Lembro quando minha mãe saía para o trabalho e eu tinha a missão de cuidar de minhas irmãs. Numa observação mais atenta comecei a perceber que o futuro delas estaria mais ou menos traçado, que era o de ter uma família, cuidar de filhos e de um lar”, conta. Segundo ele, a maioria das atividades do bairro, gerenciadas principalmente por ONGs, tende a educar as meninas aos trabalhos manuais e atividades domésticas. “Para os garotos, restam as atividades ligadas ao mundo masculino, desde que não sejam vítimas precoces da violência”, lamenta o psicólogo que ainda reside no Capão Redondo e participa de atividades sociais locais.

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